- Não há como haver luxo se não houver serviçais.
- A senhora poderia explicar melhor essa afirmação, madame?
- O desenvolvimento se dá com trabalho árduo e inteligência. Alguns homens são excepcionais em serviços braçais e dificilmente seriam eficazes em funções mais sublimes. A uns é dado a pedra, a outros é dado a caneta. Isso é fato, querido.
- A senhora acha que esse problema é um problema da educação ou da própria estrutura econômica?
- Primeiramente, não acho que isso seja um problema. E olha que não falo isso porque tenho condições de gastar mais com a ração do meu cachorro do que esses pobres trabalhadores gastam com a cesta básica. Falo isso porque essa situação é inevitável. Também acredito que a educação possui duas vertentes: preparação para a vida adulta ou simplesmente instruções para o mercado de trabalho ou para o mundo acadêmico. Se estamos falando desses dois últimos, nunca haverá espaço para todos. São mundos bem limitados, e mesmo se fossem de acesso irrestrito ninguém os valorizaria nem se esforçaria para atingi-los. Logo teríamos pessoas incapazes ocupando cargos relevantes.Trata-se da clássica teoria dos "bens posicionais" de Fred Hirsch.
- Você adora citar autores estrangeiros, não é?
- Of course, darling.
- Típico.
- Mas como eu estava falando, não há mansões para todos. Mesmo que a educação, em tese, sirva para diminuir diferenças sociais, o mercado de trabalho não comportará todas essas pessoas.
- E se diminuíssemos a carga horária desses trabalhadores?
- Só os mais qualificados merecem e podem trabalhar. É preferível que paguemos para essas pessoas executarem algum trabalho de Sísifo qualquer. Assim não caem na criminalidade, pois possuirão trabalho e renda.
- A senhora mesma citou a teoria dos "bens posicionais". A senhora sabe que o que mais valoriza uma coisa é o fato dela poder ser obtida apenas por uma parcela seleta da sociedade. Acha mesmo que as pessoas se contentarão com migalhas enquanto poucos desfrutam das benesses que a vida pode oferecer?
- Claro que não se contentarão. Mas o que posso fazer? O mundo é uma selva.
- Sim, madame. O mundo é uma selva.
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Enquanto isso, num lugar não muito distante: