24 de outubro de 2010

O trabalho e o luxo



- Não há como haver luxo se não houver serviçais.
- A senhora poderia explicar melhor essa afirmação, madame?
- O desenvolvimento se dá com trabalho árduo e inteligência. Alguns homens são excepcionais em serviços braçais e dificilmente seriam eficazes em funções mais sublimes. A uns é dado a pedra, a outros é dado a caneta. Isso é fato, querido.
- A senhora acha que esse problema é um problema da educação ou da própria estrutura econômica?
- Primeiramente, não acho que isso seja um problema. E olha que não falo isso porque tenho condições de gastar mais com a ração do meu cachorro do que esses pobres trabalhadores gastam com a cesta básica. Falo isso porque essa situação é inevitável. Também acredito que a educação possui duas vertentes: preparação para a vida adulta ou simplesmente instruções para o mercado de trabalho ou para o mundo acadêmico. Se estamos falando desses dois últimos, nunca haverá espaço para todos. São mundos bem limitados, e mesmo se fossem de acesso irrestrito ninguém os valorizaria nem se esforçaria para atingi-los. Logo teríamos pessoas incapazes ocupando cargos relevantes.Trata-se da clássica teoria dos "bens posicionais" de Fred Hirsch.
- Você adora citar autores estrangeiros, não é?
- Of course, darling.
- Típico.
- Mas como eu estava falando, não há mansões para todos. Mesmo que a educação, em tese, sirva para diminuir diferenças sociais, o mercado de trabalho não comportará todas essas pessoas.
- E se diminuíssemos a carga horária desses trabalhadores?
- Só os mais qualificados merecem e podem trabalhar. É preferível que paguemos para essas pessoas executarem algum trabalho de Sísifo qualquer. Assim não caem na criminalidade, pois possuirão trabalho e renda.
- A senhora mesma citou a teoria dos "bens posicionais". A senhora sabe que o que mais valoriza uma coisa é o fato dela poder ser obtida apenas por uma parcela seleta da sociedade. Acha mesmo que as pessoas se contentarão com migalhas enquanto poucos desfrutam das benesses que a vida pode oferecer?
- Claro que não se contentarão. Mas o que posso fazer? O mundo é uma selva.
- Sim, madame. O mundo é uma selva.

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Enquanto isso, num lugar não muito distante:

Um comentário:

Joel Martins Cavalcante disse...

aushaushauisha
é cômico e trágico ao mesmo tempo esse texto...
ele reflete, infelizmente, a realidade do que muita gente pensa.
Não acho essa divisão natural. Ela existe, é óbvio.
Mas um trabalho braçal, um técnico, um empresiário ou um intelectual deveriam ganhar o suficiente para atendes as necessidades básicas (aqui elenco, além das que todo mundo conhece, poder comprar livros, poder farrear de vez em quando, poder viajar quando der vontade) nem mais nem menos.
Todo mundo deveria ganhar "igual na medida de sua igualdade e desigual na medida de sua desigualdade" rs.
Gostei do texto!
parabéns!